Diminuir o desperdício de resíduos é um desafio global, e que precisa de soluções criativas. Embora a reciclagem atualmente contribua com uma fração da reutilização, precisamos pensar em mais maneiras de transformar o lixo em outros materiais, como, por exemplo, combustíveis. Para permitir que a economia se torne cada vez mais circular, precisamos de métodos inovadores e o empenho de todos os envolvidos no processo (consumidores, empresas e legisladores globais). A economia circular, como já sabemos, envolve pensar nos resíduos como um recurso, para manter os materiais no ciclo de produção.
Todo o lixo pode ser um tesouro. O avanço dos processos de utilização de resíduos e a crescente demanda por novas soluções para impulsionar as economias globais devem ampliar nossas expectativas nesse campo. Não devemos apenas esperar, mas também demandar soluções que acelerem a eliminação do desperdício. Até recentemente, usar resíduos como matéria-prima para produtos de alta qualidade parecia algo inatingível. Atualmente, o reaproveitamento de resíduos de uma indústria para criar produtos novos para uma segunda indústria já é uma realidade. Veja abaixo 4 maneiras de transformar resíduos em produtos de alta qualidade.
1. Óleo de cozinha usado pode se tornar combustível renovável
Durante séculos, os resíduos foram despejados na natureza sem muita preocupação em usá-los para reduzir as emissões. Avançando até os dias de hoje, estamos vendo óleos e gorduras de cozinha usados transformados em diesel renovável de alta qualidade ou combustível de aviação sustentável, substituindo os combustíveis convencionais sem a necessidade de adaptação do motor.
Os resíduos também podem ser usados para produzir hidrocarbonetos renováveis para a fabricação de plásticos e produtos químicos. Nos últimos anos, testemunhamos um aumento nos esforços para transformar resíduos domésticos, óleos de cozinha e gorduras animais em energia mais limpa. Esses esforços foram, em grande parte, reforçados pela tentativa do setor de transporte de reduzir as emissões. Outra força que impulsiona esse movimento é a necessidade de reduzir o uso de matérias-primas fósseis não renováveis na geração de produtos químicos e polímeros.
A corrida para reduzir as emissões se reflete nas notícias diárias de diferentes cantos do mundo, com empresas, governos, sociedades locais e até mesmo militares, adotando as tecnologias disponíveis para melhorar suas operações. Bournemouth, uma cidade turística na costa sul da Inglaterra, já está testando dois veículos de coleta de lixo da prefeitura que funcionam com óleo vegetal tratado com hidrogênio. Esse tipo de combustível renovável pode ser utilizado em veículos a diesel.
O fluxo constante de empresas que adotam métodos alternativos para abastecer carros ou fábricas incentivou também as empresas da indústria de alimentos a repensar seu fluxo de resíduos. O óleo de cozinha, por exemplo, pode ser usado como um recurso. Em 2020, o McDonalds (na Holanda) se juntou à Neste, fornecedora de diesel renovável, e a empresa de logística Havi para estabelecer um processo circular. Nesse processo o óleo de cozinha usado é coletado de restaurantes e convertido em combustível para entrega de alimentos e veículos coletores de lixo.
2. Avanços na reciclagem de plásticos transformam resíduos em novos materiais
A reciclagem de plásticos é uma forma estabelecida de evitar o desperdício e reaproveitar os resíduos, mas nem sempre é um processo eficiente. A forma mais tradicional é a reciclagem mecânica, que envolve a trituração ou a fusão de plásticos em pellets que podem ser transformados em novos produtos. Mas esse método só pode ser usado para certos tipos de plásticos, enquanto outros acabam em aterros ou são incinerados. A reciclagem mecânica também só é viável por um número limitado de vezes na mesma peça de plástico.
É aqui que entra a reciclagem química. Ela permite a reciclagem de plásticos antes difíceis de reciclar, quebrando a estrutura molecular do material. Os óleos resultantes desse processo podem, por meio de refino, ser transformados em matéria-prima para novos produtos plásticos de alta qualidade. Esse tipo de reciclagem também consegue tratar resíduos de plástico contaminados, que não podem ser reciclados mecanicamente.
Ao contrário da reciclagem mecânica, com aplicações limitadas, a reciclagem química forma essencialmente plásticos novos, que podem ser usados em todas as aplicações, sem limitação. Isso significa que, embora a reciclagem mecânica ainda desempenhe um papel importante, a taxa geral de reciclagem pode ser aumentada pela reciclagem química. Ainda existem alguns desafios a serem superados antes de vermos a reciclagem química em grande escala. Enquanto as tecnologias estão sendo desenvolvidas, a regulamentação e os padrões também precisam ser desenvolvidos para permitir a implementação generalizada da reciclagem de produtos químicos. São necessárias novas formas de pensar sobre a cadeia de valor, a livre circulação de mercadorias e os padrões de qualidade, quando o que antes era “lixo” agora se torna um recurso valioso.
3. Resíduos sólidos se transformam em combustível de aviação
No momento, a maior parte dos resíduos sólidos ainda vai para aterro e apenas uma pequena parcela é reciclada. Os métodos de reciclagem do futuro precisam conseguir evitar o desperdício desses resíduos e lidar com a quantidade crescente de movimentação deles. Além disso, é preciso também aumentar a quantidade que é reciclada.
Uma área de desenvolvimento promissora é o processamento de resíduos urbanos em produtos químicos, como etanol ou combustível para aviação.
Combustíveis com base em resíduos sólidos não são ficção científica, mas uma maneira sustentável e escalável de fornecer energia a aeronaves e outros veículos. Os resíduos sólidos podem ser separados em componentes que podem ser reciclados separadamente (como materiais orgânicos ou plásticos) ou tratados coletivamente. Alguns dos métodos pelos quais os resíduos sólidos urbanos podem ser processados em grande escala incluem a gaseificação (que decompõe os resíduos pré-tratados em altas temperaturas para serem convertidos em combustíveis e produtos químicos) ou a fermentação de materiais à base de celulose em etanol que pode ser processado em combustível de aviação.
4. O dióxido de carbono é capturado e transformado em combustíveis e materiais
A redução das emissões globais de dióxido de carbono (CO₂) é uma das principais estratégias para enfrentar as mudanças climáticas. No momento, o CO₂ liberado de processos industriais contribui para o aumento dos níveis globais de gases do efeito estufa. E se essas emissões de CO₂ puderem ser capturadas e convertidas em novos materiais? Nesse caso, transformaríamos o problema em solução. A conversão de CO₂ em novos produtos também é conhecida como captura e utilização de carbono. A captura de dióxido de carbono pode ser feita de várias formas diferentes para que esse gás possa ser retido e posteriormente armazenado. Veja uma das formas na imagem abaixo:
Uma das formas de transformar Co₂ em combustível. Fonte: BBC Brasil.
Para saber mais sobre como funciona essa tecnologia mostrada na imagem, que pretende remover CO₂ do ar, leia esse artigo completo da BBC Brasil.
As tecnologias Power-to-X.
As tecnologias Power-to-X permitem a conversão dos volumes crescentes de eletricidade renovável em hidrogênio, outros combustíveis e até mesmo produtos químicos e materiais.
A tecnologia chave no Power-to-X é a eletrólise, onde o hidrogênio, que tem a maior energia por massa de todos os combustíveis na terra e queima 100% sem emissões. Ele é produzido a partir da água, usando eletricidade. Ao usar eletricidade de fontes renováveis, como eólica ou a solar, a tecnologia pode ser usada para produzir hidrogênio renovável. Isso pode ser usado como tal ou sintetizado com dióxido de carbono para produzir combustíveis contendo carbono líquido ou gasoso.
De olhos abertos contra o desperdício
Todas as soluções mencionadas, especialmente aquelas que estão atualmente nos estágios iniciais de desenvolvimento ou teste – como o processamento de resíduos sólidos urbanos ou a conversão de CO₂ em combustível – exigem que repensemos os resíduos.
Embora novos processos circulares possam ser caros para implementar em grande escala, uma mudança nas políticas e regulamentações sobre resíduos é necessária para mudar de pequenas demonstrações locais de novas aplicações de resíduos para processos circulares em grande escala.
Antes que as políticas possam mudar, demonstrações em menor escala em novos campos de reciclagem servirão de exemplo para mostrar o que é possível no futuro. Quando virem que a tecnologia é possível, os formuladores de políticas considerarão e começarão a criar incentivos para ela. E com novos incentivos em vigor, muitos dos nossos resíduos futuros podem, em vez disso, ser usados para desenvolver novos produtos.